A atenção básica é o elo mais próximo da população com os sistemas de saúde, e dialoga com questões sociais, de saneamento, saúde, educação e território. É preciso manter uma postura ética e visão global acerca das variáveis e dos serviços disponíveis. O trabalho em saúde é essencial para a manutenção da vida, diferenciando-se de qualquer outro.
Segundo Pires apud Ribeiro, Pires e Blank (2004):
“Trabalho em saúde é um trabalho essencial para a vida humana e é parte do setor de serviços. É um trabalho da esfera da produção não material, que se completa no ato de sua realização. Não tem como resultado um produto material, independente do processo de produção e comercializável no mercado. O produto é indissociável do processo que o produz; é a própria realização da atividade”
Durante o segundo ciclo do PMAQ (Programa de melhoria do acesso e da qualidade da atenção básica) em 2013, como avaliadora externa no Estado de São Paulo, visitei diversas regiões e foi possível observar diferentes realidades. O trabalho na atenção básica tem um papel essencial na sociedade, porém muitas vezes é limitado pelas condições regionais, sociais, políticas e até mesmo situacionais.
A proposta da Estratégia em saúde da família foi criada com o objetivo de melhor distribuir os serviços de saúde e ampliar o acesso da população. Foi implantada no Brasil por volta dos anos 90, financiada pelo Ministério da saúde e com ela, diversas questões sobre a organização e hierarquização dos modelos assistenciais foram levantadas. A idéia que predominou foi a de pirâmide, colocando a Atenção primária na base e o hospital no topo, esse olhar propõe uma divisão por grau de complexidade, o ideal seria que os serviços fossem organizados com a utilização de mecanismos formais de referência e contra-referência, o que na prática é uma postura apenas prescritiva, na prática os serviços funcionam com lógicas diferentes, sem articulação e a população acaba tendo acesso por meio de todas as portas. (ALVES; JUNIOR, 2007)
Concordo com os autores que é uma postura apenas prescritiva, em algumas regiões do Estado de São Paulo é quase impossível se colocar em prática essa proposta, simplesmente por que o território aonde a equipe foi colocada para trabalhar não permite, muitas Unidades de saúde encontram-se em áreas de risco, com tráfico de drogas, moradores de ruas, próximos a estação do metrô, fazendo que o haja muito pouco vínculo, a população não compreende a diferença entre Atenção básica e pronto atendimento, a equipe acaba se desgastando, observei em vários lugares equipes desfalcadas por conta das ameaças e do difícil ambiente de trabalho, apesar de essas populações serem as mais necessitadas dos serviços disponíveis pelas ESF.
Não deixa de ser uma questão social, de educação e políticas públicas. Há uma necessidade extrema de ações preventivas de saúde, mas com apoio de ações educativas, saneamento básico e outros. A equipe de saúde da família tenta fazer um trabalho equânime, mas não é uma tarefa fácil.
Ribeiro, Pires e Blank (2004) consideram que:
“... o setor saúde, no Brasil, em especial na década de 90, tem sido afetado pelas ações governamentais decorrentes da política de “Reforma do Estado”, apontada como necessária para o processo de modernização e inserção do País de forma competitiva no cenário internacional. A proposta de reforma defendeu a substituição do modelo administrativo das instituições públicas, localizando na questão gerencial o nó crítico do problema das fragilidades dos serviços públicos de saúde. E os problemas de fundo que geram a desigualdade no País permanecem, dentre eles o padrão de financiamento do Estado, sua incapacidade de produzir políticas de distribuição de renda e equalização do acesso a serviços públicos essenciais. O modelo assistencial, vigente nos serviços de saúde, guia-se pela ótica hegemônica neoliberal e, na prática, essa visão acaba definindo a missão dos serviços e as conformações tecnológicas, atendendo a interesses poderosos, considerados legítimos.”
Apesar dos critérios do PMAQ serem os mesmos a todos, notou-se uma grande diferença na forma como são transmitidos, tudo varia de acordo com a gestão, demanda e população, além de considerar o apoio e as redes disponíveis em cada região.Observei que nas regiões em que haviam melhores condições de trabalho os resultados eram muito melhores, conheci muitas equipes que estavam ainda implantando os padrões nas unidades de saúde, quando há um comprometimento com a causa, tudo facilita. A adesão ao PMAQ possibilita a organização do processo de trabalho e contribui com a alimentação dos Sistemas de informação em saúde, que são uma ótima ferramenta no momento da criação de projetos e políticas públicas.
As reuniões e discussões sobre a Matriz de intervenção e os possíveis projetos aproxima a equipe e melhora os resultados, trabalhar na saúde é pensar e exercitar o coletivo.
Ribeiro, Pires e Blank (2004) apontam que o trabalho em saúde na atualidade é em sua maioria coletivo, realizado por profissionais de saúde e outros grupos que são responsáveis pela manutenção das estruturas institucionais, envolvendo trabalhos técnicos e artesanais, além das especialidades em saúde, algumas categorias realizam seu trabalho aplicando características da divisão parcelar do trabalho, como por exemplo, os enfermeiros e os farmacêuticos, sob o gerenciamento dos profissionais de nível superior.
A maneira como a gestão conduz a equipe é um diferencial, visto que cada região tem suas peculiaridades, algumas cidades dispõem de redes de especialidades para encaminhamento que alimentam outras cidades, conseqüentemente essas que tem que se locomover precisam de ações diferenciadas para auxiliar no acesso.
O mesmo com as populações em áreas rurais, nas quais necessitam de transporte ou visita domiciliar, em algumas regiões há uma carência alta desses recursos, dificultando o trabalho das equipes. Cada profissional irá fazer sua função, mas é necessário um olhar ao serviço como um todo, pois cada ação depende de diversas variáveis e apenas a técnica na função, não atende todas as necessidades. Como avaliadora é preciso compreender como funciona os principais processos e considerar as realidades locais.
Referências bibliográficas:
ALVES, C.A.; JUNIOR, A.G.S. Modelos Assistenciais em Saúde: desafios e perspectivas. In: MOROSINI MVGC, CORBO ADA (Orgs). Modelos de atenção e a saúde da família. Rio de Janeiro: EPSJV/Fiocruz; 2007. P. 27-41. Disponível em: http://www.epsjv.fiocruz.br/index.php?Area=Material&MNU=&Tipo=1&Num=26 acesso em dez/2013.
RIBEIRO, EM.; PIRES D.; BLANK, VLG. A teorização sobre processo de trabalho em saúde como instrumental para análise do trabalho no Programa Saúde da Família. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csp/v20n2/11.pdf Acesso em: dez/2013.